domingo, abril 27, 2008

INTERESSE DO PRESIDENTE.

Interesse do presidente
Reeleição ilimitada é ofensa ao princípio da impessoalidade
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por Jeferson Moreira de Carvalho
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Para um povo a Constituição deve ser apresentada como a Lei Superior que dá sustentação a todo o sistema normativo, que estabeleça quais são os poderes do Estado, e como será exercido, e de forma especial os direitos fundamentais deste povo e de toda a população.
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A legitimidade da Constituição está em que a mesma é escrita e reformada pelos representantes do povo, em poder constituinte originário e poder constituinte reformador. Representantes estes, escolhidos através do sistema de eleições diretas, com voto secreto.
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No que diz respeito ao poder de reforma da Constituição por meio das famosas emendas constitucionais, os titulares do exercício, deputados federais e senadores, não recebem do povo uma carta branca para alterarem a Constituição de acordo com interesses momentâneos e pessoais ou de determinados grupos.
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A parcela de soberania que cada cidadão transfere aos representantes não está solta no sistema de Justiça e de ordem, mas sim fortemente vinculada ao sistema criado pela própria Constituição, como produto do poder constituinte originário, que em Assembléia Constituinte moldou o Estado Brasileiro, promulgado em 5 de outubro de 1988.
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Dispõe o artigo 37 da Constituição Federal que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes, de todos os entes federativos deve obedecer alguns princípios, entre os quais o da impessoalidade, que é aquele que impõe que todo o ato, toda a conduta da administração deve ter por fim o interesse comum, e não o de uma determinada pessoa, ou de determinado grupo.
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O Estado e o Poder Público devem ter como meta atingir o bem comum, que é o elemento subjetivo do Estado, por isso, não se admitem atos que busquem atingir interesses de determinada pessoa ou grupo, pois o bem comum é para todos.
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Em uma dimensão do que é justo, o poder de reforma da Constituição, exercido pelos deputados federais e senadores, também está afeto ao princípio da impessoalidade. Por isso as emendas constitucionais devem ser voltadas à alteração da Constituição, como um modo de atualizar o Estado, mas não beneficiar este ou aquele.
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Emenda Constitucional que não atente ao princípio da impessoalidade é inconstitucional, e não for, o será por atentar contra a moralidade administrativa, na mesma dimensão do que é justo.
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Instalada a Republica Federativa do Brasil pela Constituição de 1988, o seu artigo 14, parágrafo 5º dispunha: “São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”. Ou seja, não se permitia à reeleição para período subseqüente, como um modo de impedir o continuísmo, a perpetuação no poder, e o uso da máquina administrativa.
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A redação constitucional dava prevalência ao Estado Republicano.
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Evidente que a redação poderia ter sido, como foi, alterada, por meio de Emenda Constitucional, para possibilitar a reeleição. Mas, da maneira como ocorreu, afrontou o princípio da impessoalidade.
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Por meio da Emenda Constitucional 16, de 4 de junho de 1997, o Congresso Nacional, exercendo a função constituinte possibilitou a reeleição para o período imediato para possibilitar que o então presidente da República pudesse se candidatar. Isto é, a emenda tinha destinatário certo, era para atender o interesse de uma pessoa.
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Naquele momento histórico a Imprensa Nacional cuidou de noticiar comentários de compra de votos para aprovação da emenda, entretanto não restou provado que a conduta tivesse acontecido.
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A Emenda 16 não veio para atender interesse nacional, mas sim de quem ocupava cargo de presidente da República e queria se manter no poder.
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Passado o tempo a história se repete.
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Parcela do grupo, ou mesmo a totalidade, que vem exercendo o Poder, não satisfeito com dois legítimos mandatos consecutivos, quer reformar a Constituição para possibilitar reeleição ilimitada.
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O que se pretende é mudar a regra o jogo político antes do seu término. O atual presidente da República foi eleito para um mandato de quatro anos com possibilidade de uma reeleição imediata, e esta é a regra constitucional que deve ser obedecida até o final do seu segundo mandato.
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Como afirmado, os legisladores constituintes de revisão não receberam do povo uma carta aberta para reformarem a Constituição, atendendo seus próprios interesses. Receberam, acima de tudo, o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição, que deve ser a norma de segurança jurídica de toda a população.
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A Constituição deve ser vista e interpretada como uma Lei Sagrada, que deve ser obedecida por todos, e principalmente pelos detentores de quaisquer dos Poderes, admitindo-se sua reforma em caráter excepcional, e para atender a nação e não interesse de grupos partidários, geralmente aqueles que não aceitam a temporariedade no exercício do governo, como característica da República.
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Se mais uma vez o Congresso Nacional reformar a Constituição para atender destinatário certo, mais uma vez, a Constituição Federal será posta de lado, como um simples papel sem valor, e não como um documento fundamental do qual todos nós devemos nos orgulhar.
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Possibilitar reeleição ilimitada a este altura do jogo político se trata de ofensa clara ao princípio constitucional da impessoalidade, o que é inaceitável.
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Por isso, é bom afirmar, “Deixem a Constituição em Paz”, como ensinou o advogado e agitador Ferdinand Lassalle, em 1863, quando discursava para operários na antiga Prússia.
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Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2008
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AUTOR: Jeferson Moreira de Carvalho: é juiz de Direito e mestre em Direito Constitucional.

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