terça-feira, abril 22, 2008

SÓLIDAS ALIANÇAS NO MEIO DA FLORESTA.

AMAZÔNIA NA MÍDIA
Sólidas alianças no meio da floresta
22/04/2008

Computadores no centro de treinamento indígena em Manaus
Foto: Jonne Roriz




Nem Funai, nem Igreja: parceiras hoje são as ONGs
Carlos Marchi – Jornal O Estado de São Paulo

GABRIEL DA CACHOEIRA (AM) - André Baniwa, jovem líder de seu povo, opera, com total familiaridade, um laptop que projeta uma apresentação em datashow num telão. Estamos em São Gabriel da Cachoeira, na sede da mais bem-sucedida entidade indígena da Amazônia, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que reúne seu conselho, composto pelas 22 etnias da região. A reunião é acompanhada por três assessores do Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e dois professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A cena exibe o novo modelo de atenção aos índios amazônicos, encarnado pelas ONGs e pelas universidades.
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A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab), com sede em Manaus, com 180 entidades indígenas filiadas – entre elas a Foirn –, funciona como uma federação sindical. Seus líderes têm uma mobilidade invejável: nunca lhes faltam passagem de avião e voadeira para encurtar as enormes distâncias amazônicas, graças a sua aliada, a ONG The Nature Conservancy. Essa estrutura e essa mobilidade começaram a existir depois que as lideranças indígenas se aliaram às organizações não-governamentais (ONGs) e às universidades, em especial a Ufam e a Universidade Estadual do Amazonas (UEA).
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Antes, as alianças – impostas, e não negociadas – eram com a Igreja e o governo. No início dos anos 90, a Igreja foi afastada e os evangélicos continuaram influenciando algumas etnias menos importantes. As ONGs mostram muito mais capacidade de arregimentar recursos e fornecer conhecimentos, equipamentos e bens estratégicos aos índios. As universidades, embora enfrentem barreiras burocráticas para funcionar na floresta, podem oferecer um bem que vale ouro para as novas lideranças indígenas – uma boa educação.
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Se a Coiab é a entidade-mãe, a Foirn é o exemplo de organização bem estruturada. Sua sede, em São Gabriel da Cachoeira, é um prédio amplo, com uma enorme maloca simbólica no fundo, palco das grandes assembléias; o coordenador, Domingos Tukano tem um gabinete de 30 metros quadrados, com ar-condicionado e um cartaz de Evo Morales, sua referência política, na parede. Na garagem, oito voadeiras motorizadas, prontas para servir ao deslocamento dos líderes e para atender a chamados urgentes das muitas aldeias do Alto Rio Negro. Num prédio próximo à sede, funciona a loja Wariró, que vende artesanato indígena a turistas e capta renda para a entidade.
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Uma reunião do conselho da Foirn, juntando as 22 etnias do Rio Negro, evidencia a capacidade de organização política trazida pelas ONGs. A reunião é uma babel, porque representantes de muitas etnias falam em sua língua. O representante baniwa, por exemplo, discursou meia hora em sua língua, que nenhuma das pessoas presentes entendia. O forte da Foirn é a comunicação eletrônica: a entidade está interligada a 110 pontos de radiofonia, fixados nas maiores aldeias e nas vilas.
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As reuniões da Foirn dispõem de uma estrutura tecnológica invejável, fornecida pelo ISA: três microfones sem fio se revezam nas mãos dos oradores; um laptop novo projeta datashow sobre um telão; celulares pipocam a toda hora. O ISA produziu um vídeo sobre o resgate do personagem mitológico Ahkomi, fundador da etnia tariano, e os representantes das outras etnias passaram a reclamar um vídeo igual. A atual fixação dos indígenas é registrar a sua história, que sempre se sustentou pela tradição oral – e o vídeo é o melhor registro possível.
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Esses aparatos modernos encantam os índios. As ONGs podem dar tudo isso, e muito mais, com seus orçamentos constantemente engordados por captações no exterior, que são alimentadas pelo atrativo exuberante dos índios, como representantes de um universo sociocultural exótico. E ainda têm uma agilidade que a Funai nunca pensou ter. As ONGs ajudam os índios, mas, da mesma forma que escolheram os atuais líderes, são elas que selecionam os jovens que vão estudar: só serão ajudados os que lhes forem próximos e simpáticos.
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As ONGs começaram a chegar à Amazônia de meados para o final da década de 80, para celebrar o que parece ser, além de um encontro conveniente, uma parceria perfeita. Com a ajuda das ONGs, as novas lideranças indígenas apresentam projetos criativos, exibem uma impressionante agilidade de movimentos, aprenderam a fazer lobby político, a abordar empresas e a descobrir oportunidades. Conseguem benefícios para as aldeias (e assim cativam os “capitães” ou caciques). Esses novos líderes puderam estudar e agora estimulam os jovens da aldeia a fazer o mesmo, para reproduzir o mesmo modelo no futuro.
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Hoje, as ONGs são a sólida retaguarda do movimento indígena. Orientam, aconselham, ajudam a pensar, a elaborar e a organizar – e, principalmente, trazem recursos copiosos. Foram elas que arquitetaram, sob o olhar conformado da Funai, a distância, a engenhosa fórmula de montar uma enraizada rede de entidades para defender as terras indígenas (TIs) demarcadas. A demógrafa Marta Azevedo, do ISA e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que recentemente recebeu uma queixa de Catarina, da comunidade tupi-guarani de Rio Branco, perto de Itanhaém, em São Paulo: “Aqui a gente não tem ONG, que nem na Amazônia, e não consegue nem fazer um projeto.”
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Antes de a The Nature Conservancy (TNC) desembarcar na Amazônia, o pessoal da Coiab nem sabia o que significava etnomapeamento; hoje, esse trabalho, essencial na vigilância sobre as TIs, é feito com eficiência – e de graça. A Comissão Pró-Yanomami (CCPY) e a Conservação Internacional operam na elaboração de políticas públicas para os povos indígenas, a primeira com o povo ianomâmi e a segunda, com os caiapós.
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Muito ativas na área da educação, as ONGs se afastaram dos trabalhos na área de saúde, depois de muitos desentendimentos com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), principalmente em Roraima. A Uri-hi, criada para ser o braço da CCPY na área da saúde, parou de funcionar em 2004, depois de longo confronto com aliados do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que mandavam na Funasa local.
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