domingo, abril 20, 2008

CÚPULA MILITAR CRITICA GOVERNO.

O GLOBO. 17 Abr
Cúpula Militar Critica Governo
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Atuação federal em áreas indígenas é alvo de ataques de comandantes do Exército
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Flávio Tabak e Maiá Menezes
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As autoridades militares unificaram seu discurso e o alvo foi o governo federal. Cinco dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defender a demarcação contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, generais e ex-ministros, reunidos ontem para o seminário "Brasil, ameaças a sua soberania", criticaram o decreto que determina a homologação do território. Fizeram coro ao descontentamento expresso na semana passada pelo comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno. Ontem ele foi duro com o governo, ao criticar, sob aplausos, o tratamento dado aos índios:
- A política indigenista está dissociada da História brasileira e tem de ser revista urgentemente. Não sou contra os órgãos do setor, quero me associar para rever uma política que não deu certo, é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica.
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Durante palestra no Clube Militar, no Centro do Rio, e diante de cerca de 150 militares da ativa e da reserva, o general defendeu a independência do Exército em relação aos governos:
- O alto comando do Exército é um órgão que serve ao Estado brasileiro e não ao governo.
Em seguida, durante entrevista, o general disse ter constatado o abandono de áreas indígenas. Muitas, segundo ele, enfrentam problemas de alcoolismo e tráfico de drogas.
- Quando critico, não tenho interesse político ou econômico. Só penso nos interesses nacionais - disse.
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Preocupação é com divisão política
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Até então única voz pública das Forças Armadas contra a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, Augusto Heleno recebeu ontem o apoio de ex-ministros, como Zenildo Lucena (Exército) e Bernardo Cabral (Justiça), de generais do alto comando e do líder indígena Jonas Marcolino, convidado para o debate. O comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira Filho, na primeira fila do auditório, afirmou que o problema em Roraima é de soberania. Segundo o militar, a discussão passa pelo cumprimento do artigo 142 da Constituição, que trata da atuação das Forças Armadas na defesa da pátria:
- Nossa preocupação é constitucional, com a soberania brasileira.
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O chefe do Estado Maior do Comando Militar do Leste, general Mário Matheus Madureira, disse que está preocupado com a homologação em faixa contínua da reserva:
- O risco da soberania é com áreas que podem ser separadas do território brasileiro. ONGs internacionais e grupos indígenas podem solicitar essa divisão política. Pode ser a mesma situação que ocorreu no Kosovo. É uma preocupação de todos.
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A opinião dos militares durante o seminário ganhou a adesão do ministro do Exército do governo Sarney, Leônidas Pires Gonçalves:
- São todos brasileiros, há riscos de utilizarem o aumento de uma ocupação indígena. Pode ocorrer um estado de enclave (quando um território se sobrepõe ao outro).
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O general Augusto Heleno, que na última quinta-feira, em Brasília, classificou como "risco à soberania nacional" a demarcação em terras contínuas da reserva, abrandou o tom:
- Não falo em nome do governo porque não tenho autoridade para isso. Em nenhum momento contrariei a decisão do presidente. Não tenho intenção de contrariar hierarquia e disciplina - disse, em entrevista.
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Na palestra, no entanto, sem citar o nome da reserva, apresentou sua teoria sobre a retirada de não-índios de terras indígenas:
- Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é indígena? Isso não entra na minha cabeça.
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O general leu artigos da Declaração dos Povos Indígenas, da ONU. Um deles, sobre a desmilitarização das reservas, irritou o militar:
- Então o entrave somos nós? Cumprimos o papel constitucional.
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"É só ir lá para ver que (a política indigenista) é lamentável, para não dizer caótica."
General Augusto Heleno

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"O risco é acontecer o mesmo que ocorreu no Kosovo. Um grupo de indígenas pode solicitar a separação política do estado."
General Mário Madureira
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A Reserva Raposa Serra do Sol foi demarcada no governo Fernando Henrique Cardoso em 1998. Em 15 de abril de 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de homologação, última fase no processo de delimitação da reserva. A partir de então, começou uma negociação para a retirada dos não-índios da área, onde vivem cerca de 18 mil indígenas. A demarcação em área contínua nunca foi bem recebida em Roraima, estado que já cedeu boa parte de seu território a uma reserva dos ianomâmis.
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A demarcação em área contínua também enfrenta a oposição dos militares. Em 2007, a Polícia Federal preparava uma ação para retirar os invasores e pediu apoio aos militares, que não ajudaram e vazaram a operação a políticos de Roraima.
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Um grupo de arrozeiros ocupa a reserva desde os anos 80. Eles se recusam a sair, mesmo com indenizações oferecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Aliados a índios contrários à demarcação em área contínua de 1,6 milhão de hectares, os rizicultores se armaram.
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Os índios contrários à demarcação contínua são ligados à Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiur). Os pró-demarcação contínua são vinculados ao Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica.
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O principal opositor da demarcação é o presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Paulo César Quartiero, responsável pelas ações de resistência à operação preparada pela Polícia Federal. Na última semana, a ação da PF foi suspensa provisoriamente por uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros entenderam que a operação pode criar um ambiente de violência. O pedido de suspensão foi feito pelo governador de Roraima, José Anchieta, do PSDB.
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